terça-feira, 16 de março de 2004

Afonso Cautela- Publicidade

Um texto com 31 anos mas tão actual... RESISTIR À PUBLICIDADE Por Afonso Cautela Quando o aprendiz de Ecologia, enquanto consumidor, escolhe um produto, não deve preocupar-se apenas com as suas características superficiais, mas também com factores de qualidade, de segurança e de durabilidade. Um produto pouco publicitado pode muito provavelmente ser melhor do que outro muito publicitado. A sistemática instigação ao consumo leva a um desgaste de matérias-primas muito para além do indispensável. Sempre que se adquira um produto, deve-se pensar que as matérias-primas não são eternas e que o seu gasto contribui para o seu esgotamento. Prefira os produtos que têm evidentes possibilidades de maior durabilidade. Era um velho hábito de nossos pais e avós, que a loucura do consumismo (com seus reflexos no equilíbrio emocional) pôs de parte, ridicularizando, mas a que os ensinamentos básicos da Ecologia e da manutenção dos recursos nos deve fazer de novo regressar. Quando é impelido a comprar, o consumidor deve pensar que, regra geral, esse impulso pode ter sido criado artificialmente, e que não corresponde a uma verdadeira necessidade. Deve tentar encontrar a verdadeira razão que o leva a comprar, não se deixando iludir pelas que aparentemente o justificam. À torrente publicitária televisiva que não só, caro consumidor, lhe queima neurónios, sensibilidade e consciência crítica, como também o imbecializem doses crescentes, resista aguçando o espírito crítico e fazendo de vez emquanto greve ao seu pequeno écran. Não se cretinize por completo. Recupere lucidez. Não se deixe ir em cantigas. Você pode estar a ser manipulado nas profundezas do inconsciente, através da aplicação prática que a publicidade faz das descobertas de ponta das (chamadas) ciências humanas, antes mesmo destas aparecerem nos respeitáveis manuais. Resista às armadilhas da moda, que são as armadilhas do super-consumo, utilizando sempre que possível o que resiste mais tempo sem se “desactualizar”,pensando que, afinal, a moda é o bom gosto com que cada um sabe usar o que de bom gosto sabe comprar. Muitas vezes a moda opõe-se mesmo ao bom gosto e ao mínimo de exigência estética, o que é mais um motivo para resistir à moda. No caso de electrodomésticos e outros produtos baseados na tecnologia, deve o consumidor ter sempre presente que os modelos só diferem uns dos outros por pequenas características que pretendem tornar “ultrapassados” os anteriores e que promovam, portanto, o seu abandono em favor de novos. Nos produtos de uso pessoal, deve o consumidor ter presente que a publicidade apela muitas vezes para aspectos de atracção erótica ou agrado gustativo. Dentes brilhantes ou uma camisola justa ao corpo passam a ser, no discurso publicitário, as coisas mais importantes do mundo para uma pessoa. O engodo é quase sempre baseado em motivos de interesse frívolo, únicos que interessam a um sistema que existe para produzir e vender. Extracto da obra: CAUTELA, Afonso (1974) A Estratégia das Eco-tácticas: Greve Geral à Sociedadede Consumo. Paço de Arcos: Edições Frente Ecológica.

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